Retomando a discussão que comecei com o texto O mito de “ser feliz fazendo o que ama”, começo a Parte II com o mesmo questionamento: Não ter chefe, ter horários flexíveis e ser feliz fazendo o que ama. Esse é o tripé do empreendedorismo. Alguém me diz a fórmula mágica para isso?
Uma das coisas que não me disseram nos megaeventos de empreendedorismo é que empreender é SE VIRAR! E quem se vira hoje no Brasil? Qual o perfil dessa pessoa? Quais características? E por que ela se vira? Como diz Lucas Santana, sócio-proprietário da Kumasi e da Tríade- Comunicação e Marketing Digital, “o que chamamos de empreendedorismo, a favela sempre chamou de sobrevivência”
Depois de reler o livro Desenvolvimento e Empreendorismo Afro-Brasileiro, os dados dos Donos de Negócio no Brasil, o livro Onda Negra, Medo Branco, a pesquisa do Projeto Brasil Afroempreendedor e minha vivência, destaquei três falas que é bastante comum ouvir nos megaeventos de empreendorismo e trarei algumas observações que considero pertinentes.
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Comece a empreender cedo
Sobre começar a empreender cedo nós entendemos e os números mostram. Segundo a pesquisa Donos de Negócio no Brasil, do Sebrae, 85% das pessoas negras começaram a trabalhar antes dos 18 anos, 14% de 18 a 24 anos e 1% de 25 anos ou mais.
Ou seja, começamos a empreender/trabalhar/se virar desde sempre. Logo, não consigo ouvir uma dica ou sugestão dessa que, geralmente, termina com a frase “… para ter um negócio de impacto mais cedo”.
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Você só precisa ser criativo e inovador
Não importa se sua ideia é genial, você precisa sistematizá-la de alguma forma. No papel, em slides , fazendo o famoso pitch etc.
56% dos afroempreendedores não tem nenhuma instrução;11% têm o fundamental completo; 26% ensino médio; 2% superior incompleto e 4% superior completo. Mas claro que esses números podem ter sofrido alterações se considerarmos as políticas de promoção da igualdade em vários setores, principalmente no eixo de escolaridade.
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Encontre seu propósito e faça aquilo que você ama
É difícil dizer isso para 62% dos afroempreendedores que sustentam suas casas, para os 22% que são casados e para os 17% que têm filhos. Não dá pra abandonar tudo e falhar cedo e barato se sabemos que o lucro do empreendimento dessas pessoas complementa a renda familiar. Mesmo achando nosso propósito, é um processo complicado e doloroso.
Pois bem, o que temos hoje no Brasil são 38%, 5% de empreendedores negros e negras que faturam até R$ 1 mil; 33,5% entre R$ 1 mil e R$ 5 mil; 11,6% entre R$ 5mil e R$ 10 mil e 12,6% acima de R$ 10mil. Infelizmente, nos eventos de empreendedorismo meritocrático, os 12,6% são os mais citados para justificar as três frases que listei aqui.
Antes de você questionar que para melhorar este quadro é só fazer capacitações, saiba que 32,7% dos afroempreendedores fizeram formação com o Sebrae. Daqueles que não fizeram 17,6% falaram os valores absurdos dos cursos; 12,6% da falta de tempo, 14,1% por não saber onde encontrar cursos e 47,9% outros motivos.
Sobre os valores absurdos você não precisa negar que é verdade.
Afinal, quanto vale um curso para você encontrar seu propósito, se tornar um capitalista consciente ou alavancar seu negócio? Faça uma pesquisa rápida.
A respeito da falta de tempo, 92% trabalham sozinhos, não são empregadores. Ou seja, precisam fazer tudo para que seu empreendimento continue existindo. E sobre não saber onde encontrar cursos, apesar da popularização da internet, smartphone não garante que a pessoa saberá filtrar informações que vão além das redes sociais que conhecemos. Se a pessoa não tiver o primeiro contato com determinado tema, nunca terá o interesse e disponibilidade para procurar sobre o assunto.
O retrato da maioria dos Donos de Negócio é esse:
Recentemente assisti uma palestra de Renato Meirelles, CEO do Data Popular, mostrando o resultado de sua última pesquisa sobre uso das marcas. 71% dos negros afirmam preferir marcas que melhorem a autoestima. 74% dos negros concordam com a frase “prefiro comprar produto de empresa que respeitem a diversidade.” Pra essa mesma afirmação, 50% dos brancos concordam. 91% dos negros não comprarão marcas que de alguma forma não respeite a comunidade negra. E outra coisa: nós negros e negras movimentamos 1.573 trilhões na economia deste país.
Isso significa com o surgimento de diversos e-commerces, principalmente camisetarias,, a marca que irá durar mais tempo será aquela que conseguir compreender e incorporar este panorama.
Mais do que colocar em práticas essas questões, quem está por trás da marca importa? Ou melhor, o que importa: a estampa legal e inclusiva, quem está pensando/produzindo esta estampa ou os dois? E se for um filme, importa quem está dirigindo? O que seria então representatividade? A simples presença no espaço ou a participação em todo processo de decisão e escolha?
#FICADICA
Poderia indicar mais pesquisas, documentários, sites etc. Mas prefiro indicar o livro Onda Negra, Medo Branco de Célia Azevedo que fala do processo de desenvolvimento econômico no período pós-escravista e como esse modelo se mantém até agora. É interessante para entender que nada disso foi por acaso. É um estrutura construída perversamente.