Ontem, 18 de dezembro de 2016, aconteceu a primeira edição do Circuito Rolezinho, na Oficina de Investigação Musical, localizada no Pelourinho, Salvador-BA.
O Circuito Rolezinho é uma iniciativa de produção cultural para construção de novas narrativas, através de diferentes linguagens: música, cinema, performance, moda, rodas de conversas entre outras. O objetivo do projeto, idealizador por mim, Luma Nascimento e Yasmin Reis, é fazer circular uma produção cultural feita pela e para juventude negra, numa perspectiva de desenvolvimento sociocultural e econômica para a comunidade afrodescendente.
De tudo que ouvimos ontem, quero destacar uma fala:
Não vou ficar aqui, porque pensei que era algo mais cultural
Partindo dessa frase, é importante destacar dois pontos:
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O que é cultura?
Enxergo a cultura como convenção, ou seja, acordos, normas, padrões que assumimos com a sociedade. Um exemplo disso é quando falamos “Isso existe desde que o mundo é mundo e não vai mudar agora”.
Convenções são criadas e podem ser modificadas e repensadas. Por isso, criamos o Circuito Rolezinho, criando outras narrativas no contexto de produção cultural.
Quando alguém chega numa festa onde a produção é composta por jovens mulheres negras e o público são jovens negr@s e diz algo assim, me faz lembrar do artigo A construção do Mapa da Juventude de São Paulo, das autoras Aylene Bousquat e Amélia Cohn. O texto baseia-se na análise dos perfis das juventudes paulista, a partir do Mapa da Juventude de São Paulo, elaborado pelo Cedec.
Merece destaque duas passagens no artigo para aprofundar a discussão sobre cultura.
” […] nota-se aumento expressivo do percentual de entrevistados que se classificam como “pretos/negros” e “pardos” nas Zonas com maior exclusão (3, 4 e 5); na ZH5 – a pior posição no ranking – o conjunto de negros/pretos e pardos ultrapassa o de brancos.” (p. 7)
“No caso do funk, a preferência é menor na ZH1 (10,9%) e cresce gradativamente em direção à ZH5 (27,6%) […]” (p.10)
A Zona Homegênea 1 (ZH1) é a de melhor condição socialeconômica e a ZH5 é a pior no ranking. A preferência pelo funk cresce gradativamente em direção as zonas com maior exclusão, onde há o maior número de negros. Será que isso tem alguma relação com aquela frase “funk não é cultura” ? Pois é. Isso também é válido para outros gêneros musicais como “brega”, pagode e afins.
2. Por que o nome Circuito Rolezinho?
Com certeza vocês devem lembrar do que aconteceu em 2013, quando a expressão Rolezinho ganhou repercussão de forma pejorativa, devido aos grandes encontros realizados por jovens, negros e periféricos, nos Shoppings Centers e espaços públicos. Com o aumento dos encontros, os shoppings conseguiram respaldo de decisão judicial para proibir a entrada desses jovens. Depois disso, as pessoas passaram a fazer reuniões como forma de protesto contra a segregação social.
O nome da nossa iniciativa surgiu desse contexto. Um contexto de exclusão. Afinal, nós jovens mulheres negras também somos excluídas do mercado de produção cultura do Brasil. Mas queremos circular, movimentar a produção cultural em primeira pessoa do plural – nós, juventude negra periférica.
É importantes deixar escurecido que não estamos inventando a roda. Estamos somando com a construção de narrativas de uma geração que é alvo de problematizações: a geração tombamento.
O Circuito Rolezinho compreende que o fervo é político. A festa, o tombamento, o lacre é político, porque a estética é como nos apresentamos socialmente. Mas também é importante lembrar que nem todas pessoas que assumem seus cabelos crespos naturais estão preparadas para enfrentar o racismo, machismo e sexismo.
A partir dessa compreensão, pensamos em um formato que juntasse as habilidades das idealizadoras e as iniciativas que cada uma desenvolvia individualmente: moda, audiovisual e política.
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Luma Nascimento é colaboradora atuante da marca de roupas Dresscoração e do Movimento Bráfrica em Nós. Yasmin Reis é estudante de design, diretora do espaço cultural Oficina de Investigação Musical, juntamente com o pesquisador Bira Reis desenvolvem um trabalho de pesquisas, fabricação de instrumentos musicais e oficinas de percussão. E eu acabo de me formar em Humanidades com ênfase em Política e Gestão da Cultura pela UFBA, sou fundadora da organização Desabafo Social e da Kumasi, marketplace para empreendedores afrodescendentes. E atualmente faço parte da produção de MC Soffia.
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A primeira edição contou com 13h de programação:
PRINCIPAIS EIXOS DE ATUAÇÃO DO CIRCUITO ROLEZINHO
1. MODA: Apostamos e acreditamos no slow fashion, ou seja, reutilização das peças, compartilhamento das roupas e compras em brechó. Por isso, em cada edição haverá brechó. Assim exercitamos a moda sustentável e consumo consciente e convidamos o público a fazer o mesmo.
2. AUDIOVISUAL: Haverá também exibição de filmes. A ideia é facilitar o acesso à obras audiovisuais, sobretudo, aumentar o interesse do público em cinema nacional.
3. POLÍTICA: O Circuito Rolezinho compreende que o fervo é político. A festa, o tombamento, o lacre é político, porque a estética é como nos apresentamos socialmente. Mas também é importante lembrar que nem todas pessoas que assumem seus cabelos crespos naturais estão preparadas para enfrentar o racismo, machismo e sexismo. Por isso teremos espaços de debates, antes da festa começar.
EXPERIMENTAÇÕES
Acredito que toda experimentação é válida. E o Circuito Rolezinho é uma experimentação de uma nova perspectiva de produção cultural, onde articulamos cultura e desenvolvimento, cultura e identidade e outros aspectos sociais.
Além disso estamos exercitando o #BlackMoney. Diferente do que o Google Tradutor diz sobre #BlackMoney ….
… estamos falando de circular o dinheiro entre nós. Isto significa que contratamos majoritariamente profissionais afrodescentendes. E antes de qualquer comentário sobre “mi mi mi” , aconselho que leiam:
Empreender na produção cultural não é fácil. Na verdade, empreender não é fácil em nenhuma área. A socióloga Célia Azevedo em seu livro Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites século XIX pontua como o desenvolvimento econômico industrial no período pós-escravista se preocupou exclusivamente com o imigrante europeu. Isto é, a partir da data da abolição houve a formação da classe operária brasileira com base numa população essencialmente estrangeira.
Segundo o IBGE, entre 1871 e 1889, chegaram ao Brasil cerca de 219 mil imigrantes. Este número foi para 525 mil na década seguinte. Após a abolição, o total foi de 1,13 milhão. Em 1938, o Decreto de Lei nº 406 dispunha da entrada de estrangeiros no território nacional. De acordo com o decreto, cabia ao Governo Federal limitar ou suspender a entrada de indivíduos de determinadas raças ou origens.
Isso reforça que discutir empreendedorismo, ou melhor, o mito de ser feliz fazendo o que ama é também questionar a respeito de uma mentalidade racista e segregacionista que foi a substituição das pessoas negras escravizadas por imigrantes europeus, justificada pela incapacidade para o trabalho assalariado, mas feita de forma estratégica com foco no novo modelo econômico que também não inclui a população negra.
Não podemos romantizar o empreendedorismo, mas podemos decidir o que consumir e onde investir nosso dinheiro para garantir desenvolvimento socioeconômico e cultural. E é isso que eu, Luma e Yasmin estamos fazendo.