Se você é uma pessoa pública, acho que vai entender o que vou deixar nessa carta. Se você não é, acho que vai entender também.
Aconselho que você leia esse texto ouvindo a música “Paisagem”, de Emicida.
“Como um bom cemitério, tudo está em paz!”
Ou se preferir, pra não ficar tão trágico, ouça a música “Futuro”, de Rashid.
“Humanos não me enganam
Preferem xingar o que não gostam do que exaltar o que amam
Olham pra onde fui e chiam
Mas se soubessem dos ‘não’ que eu já falei, me amariam”
Não me julgue por isso. Não é sobre ser fraca ou forte, é sobre decidir algo. Então, leia até o final!
Nos últimos dias, muitas coisas aconteceram. Coisas trágicas, tristes, péssimas. Assassinatos de jovens pretos aqui no Brasil e no mundo. Enfim, muita coisa. E no meio de todas essas coisas, os ataques nas redes sociais principalmente contra mulheres negras.
O episódio “Odiados pela Nação”, da série Black Mirror, diz muito sobre esses tempos que estamos vivendo. As pessoas utilizam a hashtag #MorteA… no Twitter e diz quem deveria morrer. E quando a hashtag bomba, essas pessoas odiadas pela nação, realmente morrem.
É exatamente isso que estamos vivendo. Não publicamos dizendo que gostaríamos que a pessoa morresse, mas com tanto ódio é isso que desejamos. Mas será que iremos nos responsabilizar se realmente a pessoa desistir de viver?
Sinto muito, mas você é responsável por essa minha carta de adeus e precisa saber disso.
Sempre falei que discordar é algo saudável. Eu discordo de muita gente. Mas o que não pode é anular a existência da pessoa só porque você não concorda.
É inacreditável que chegamos ao ponto de fazer pessoas negras explicarem publicamente que são formadas em X curso, em Y faculdade, pra justificar porque tem capacidade de entrar numa vaga de X empresa.
O que você que xinga, ataca, humilha pessoas pretas na internet, pelo simples fato de não concordar com elas, tem feito além de xingar, atacar e humilhar pessoas pretas na internet, pelo simples fato de não concordar com elas?
Se eu fosse atacar todas pessoas que eu discordo de atitude, eu seria igualzinho a você e improdutiva. Porque eu passaria mais tempo monitorando aquilo que não gosto em alguém para falar na internet, do que fazendo algo útil. Essa é minha forma de existir e me movimentar. Se a sua é essa, e você acredita mesmo que tem te feito bem e você tem crescido (não em número nas redes, porque odiar pessoas na internet faz você crescer na internet) pessoalmente com isso. Beleza, pode consistirá, mas se responsabilize pelas cartas de adeus que você talvez nem receba, só essa minha mesmo.
Perdi alguns amigos dessa forma. A sociedade já é perversa e eles acreditavam que os pares poderiam ser menos perverso. Alguns deixaram uma carta de adeus, como essa minha. Eu também acreditei que os pares poderiam ser menos perverso. Não por ingenuidade, mas por essa ser a única opção saudável para viver.
Nessa pandemia, recebi tantas ligações e mensagens de pessoas em desespero. Mas elas não sabiam que eu também estava desesperada e precisando de ajuda. Olha que merda!
Eu preciso de ajuda o tempo todo. Por isso, na minha rede de afetos, sempre grito por socorro. Mas isso não passa na cabeça de outras pessoas nas redes sociais, só da minha rede de afetos mesmo.
Um dia desses postei no Instagram sobre pausar e o quanto eu estava tentando pausar, porque estava exausta. Em seguida, recebi um questionamento: “Pausar?” Que luxo! Quando mulheres pretas terão o direito de pausar?”
Eu não tive outra resposta a não ser dizer que “quando a gente reconhece que não só a dor nos une. E a partir disso, buscamos tentar responder quem cuida de quem cuida? Como não conseguimos respostas, entendemos que preto bom, é preto vivo. E se pausar, nem que seja por um dia me deixa viva, irei pausar”.
Escrevi essa resposta chorando, porque estou exausta inclusive de responder algo como isso.
Eu tenho 25 anos, e quem veio antes de mim, lutou e está lutando para que tenhamos uma coisa chamada humanidade. Mas qualquer tentativa de humanidade, questionamentos como esses vão aparecer. Então, resolvi dizer adeus, mesmo não aprendendo a dizer adeus.
Vi também um comentário bem interessante em um desses posts perversos sobre pessoas pretas:
“Na verdade a galera queria que ela fosse ou empregada doméstica ou gari.”
Fiquei muito reflexiva com esse comentário.
As mesmas pessoas que fazem textos, comentários e falas falando que pretos precisam estar em lugares de liderança, vitórias etc, são as mesmas que atacam as que estão nesse lugar. Foi aí que cheguei na hipótese que se esse preto, não for você, nenhum outro pode. Por isso os ataques.
Eu não falei o final do episódio de Black Mirror né? Então, as pessoas que utilizaram a hashtag morrem também. Morrem literalmente. Mas nesse nosso mundo “real”, as pessoas estão morrendo simbolicamente e por dentro. Estão adoecidas e não percebem. Por não perceberam, não pedem ajuda e adoecem outras pessoas.
Para todas as pessoas que me odeiam, para todas pessoas que odeiam pessoas pretas, para todas pessoas que odeiam mulheres pretas, adeus!
Eu não vou desistir da minha vida, eu estou desistindo de vocês!
Eu não posso deixar isso paralisar minha atuação no mundo, pelo simples fato de você não concordar e desejar que eu não exista.
Eu sei que é difícil não conseguir alcançar, criar, fazer um tanto de coisa. Mas não projete frustrações em outras pessoas que não poderá fazer nada por você, a não ser desistir de você.
Eu sinto muito, por isso, mas pessoas pretas, mulheres pretas, homens pretos, não são seus inimigos. Não é possível que você não consiga comemorar vitórias que não são suas. Isso não é sobre a pessoa que você odeia, é sobre você.
Suas mãos só não estão sujas de sangue, porque você não sabe quantas pessoas desistiram e você foi responsável por isso. Então quando não sabe, a consciência não pesa né?!
E se você, assim como eu, pensou em desistir de tudo, lembre-se que você é importante para alguém. Nem que seja para uma única pessoa. Você importa! Você é importante viva!
Vamos continuar vivas!
Se assustou né? Mas isso realmente acontece! As pessoas desistem, por conta de pessoas como você!
E pra finalizar o texto, ouça a música “Invejosa”, de Maglore.
Apesar do nome, não fala sobre inveja, fala sobre isso aqui:
“Eu não desvio do caminho, mesmo se eu estiver sozinho, guardo força pra amanhã!”
Aaah, quando fico fazendo perguntas no Twitter, é pra ver que o mundo pode ser menos perverso. Então, leio todas respostas e me sinto parte quando alguém compartilha que realizou um sonho!
Força Monique! E força pra você também!