O que o racismo tem a ver com a violência policial?

Preciso reforçar o quanto 2014 começou f*da! Com certeza vocês lembram dos justiceiros que prenderam o adolescente negro ao poste. E também lembram que Rachel Sheherazade fez campanha para adotarmos um bandido. Mas não para por aí. O ator Vinicius Romão ficou 16 dias preso por engano. Cláudia Silva foi arrastada pelo carro da política, enquanto era socorrida (?). DG foi assassinado na região onde tinha uma UPP. Mulheres que abraçaram a campanha #EuNaoMerecoSerEstuprada foram ameaçadas. Neymar fez a camapanha #SomosTodosMacacacos, desqualificando e querendo acabar em um só dia , com lutas e estudos contra o racismo. Fabiane Maria de Jesus morreu após ter sido espancada pelos justiceiros do Guarujá.

Pulando para o segundo semestre, Eduardo Campos morreu.  E há teorias que relacionam o dia da morte, com o DDD de Santos, com o número de outro partido, com o horário e simplesmente aparece o culpado: PT. Eu nem quero me estender falando sobre isso. Mas preciso destacar aqui um frase que meu amigo me mandou: “População do Brasil cresceu, tem mais pessoas viajando e frequentando o mesmo local que você? Chove mais no Brasil, você está ganhando peso rápido demais, está brigando muito com o namorado? Porque tudo é culpa do PT.”

Tive a oportunidade de integrar o Grupo de Trabalho Narradores da 3ª Bienal na Bahia , o que me aproximou da pesquisa sobre racismo científico e suas consequências contemporâneas.

E falando em racismo científico, Cesare Lombroso (1835-1909) procurava características que permitissem identificar o “delinquente nato” de um indivíduo “normal”. E essa teoria do “delinquente nato” influenciou e influencia diretamente nas políticas públicas, sociais e criminais do Brasil e do mundo. Se fomos parar para fazer comparações históricas de um país com o outro, veremos que cada país se adaptava e se adaptou as teses do racismo científico em detrimento dos segmentos sociais já discriminados.

E o que o racismo tem a ver com a violência policial?

Primeiro vamos deixar claro que a ação policial letal faz parte de uma política de Estado, uma política de enfrentamento à criminalidade. É muito triste admitir, mas existe uma grande demanda dentro da sociedade para a prática da violência policial. Essa grande aceitação das mortes cometidas pelos policiais ocorre devido à forma como normalmente esses crimes são noticiados. Só ligar a TV em horário de almoço que teremos um exemplo claro do que estou falando. A mídia, com o julgamento antecipado de acusados, transformando o suspeito em criminoso sem que haja processo judicial condenatório, incita à violência ao apoiar o extermínio do sujeito.

Estou acompanhando os diversos casos de jovens negros que sumiram após abordagem policial. Destaco um caso que aconteceu recentemente em Salvador (BA). Um jovem negro de 22 anos desapareceu no dia 2 de agosto, após ser levado pela Polícia Militar no bairro da Calçada. Depois de 15 dias, seu corpo foi encontrado esquartejado e carbonizado , em São Bartolomeu. Como eu sei que foi a Polícia Militar? Os policiais não perceberam que havia uma câmera no local que eles abordaram o garoto. Mas esses casos se repetem todos os dias em todo lugar do Brasil.

Uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Centro de Pesquisas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas (CPJA-FGV) e o Sistema Nacional de Segurança Pública (Senasp), mostra que 43,2% dos policiais brasileiros, acreditam que o policial que mata um criminoso dever ser premiado pela corporação. Isso me fez lembrar do Decreto nº 79, Casa da Câmara, Salvador, 1733.

Determinando que o capitão-do-mato receberia a quantia de 320 réis pela captura de escravos fugitivos dentro dos limites da cidade até os sítios da Soledade, Forte de São Pedro e Água de Meninos; na Barra, Rio Vermelho e Brotas receberia 480 réis; se fosse apanhado a uma légua ao redor da cidade, 640 réis; e 1280 réis para os que fossem capturados três léguas distantes da casa de seu senhor; se fosse o escravo apanhado no Rio Joanes receberia 2000 réis e em Itapoã, 280 réis.”

A lógica se retroalimenta.

Não dá para aceitar que a possibilidade de um jovem negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos. Não dá para aceitar que de 2012 pra cá, mais de 30 mil jovens morreram em razão de homicídios. Deste grupo 77% das vítimas são negras.

Um dia desses li uma matéria e fiquei sem reação. O bispo Edir Macedo afirmou que não é recomendado se casar com pessoas de “raças diferentes” ou mulheres mais velhas. “O “homem de Deus” não deve se casar com mulher de outra “raça”, pois em viagens a outros países para realizar “missões” os seus filhos podem sofrer discriminação.” – Edir Macedo.

Mas, enquanto houver pessoas como Edir Macedo, enquanto houver a política de extermínio, enquanto houver pessoas que acreditam que o racismo não existe, há guerra continua.

“Engajamento político de jovens negros, serve de proteção contra a violência nas periferias brasileiras.” Mas… até quando?

Fotografia: Monique Evelle. Múmias do Museu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima
Fotografia: Monique Evelle.
Múmias do Museu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima

“Desde cedo a mãe da gente fala assim:
‘Filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.’
Aí passado alguns anos eu pensei:
Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses… por tudo que aconteceu? duas vezes melhor como ?” 

Racionais MC’s

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