O mito de “ser feliz fazendo o que ama”

Não ter chefe, ter horários flexíveis e ser feliz fazendo o que ama. Esse é o tripé do empreendedorismo. Alguém me diz a fórmula mágica para isso?

Para início de conversa, é interessante a citação do artigo Desenvolvimento, empreendedorismo e promoção da igualdade racial de João Carlos Nogueira, consultor técnico nacional e coordenador executivo do Projeto Brasil Afroempreendor.

[…] a imaginação mais generosa sobre a participação dos negros no capitalismo brasileiro sempre os localizou, na melhor das hipóteses, como trabalhadores remunerados, jamais como potenciais empreendedores, nem no setor privado, nem no público ( Nogueira 2014)Essa citação diz muito sobre a realidade atual dos empreendedores negros e negras do Brasil. A ruptura do sistema econômico mercantilista para o capitalista, só aumentou e sistematizou os obstáculos para inserção da população negra na sociedade. Podemos citar a herança escravista, as portas fechadas para o trabalho livre a partir da política de embranquecimento com os imigrantes e a ausência de acesso à educação.

O estudo do Sebrae sobre raças mostra alguns dados relevantes para continuarmos a conversa. A pesquisa realizada a partir de processamento dos dados do IBGE (PNAD) mostra que o rendimento médio de empreendedores negros e negras cresceu 70%, passando de R$ 612 para R$ 1.039 por mês. Enquanto os brancos subiram de R$ 1.477 para R$ 2.019. Apesar do rendimento dos empreendedores brancos ter caído R$ 37%, ainda sim continua maior.

Ambulantes do século XVIII

A pesquisa mostra também os principais segmentos de atividades de acordo com a  raça/cor. A população negra atua em atividades com menor valor agregado como, por exemplo, comércio de ambulantes, sucatas e resíduos. Já os empreendimentos dos brancos são, em sua maioria, relacionados com a produção de café e soja, serviços de saúde e de engenharia. Essas são áreas especializadas que exigem maior grau de escolaridade.

Não quero me alongar fazendo revisão bibliográfica nem destrinchar as pesquisas sobre empreendedorismo no Brasil. Acredito que o pouco que trouxe mostra que meritocracia não existe, já que não demos a partida no mesmo tempo e espaço em direção à linha de chegada.

A Kumasi, loja virtual que apoia e valoriza o empreendedorismo negro, surgiu querendo preencher essas lacunas e impulsionar os negócios de empreendedores negros e negras.

Todas pessoas convidadas para Kumasi relataram a necessidade de empreender para acrescentar renda, pagar faculdade, sustentar filho e outros fatores. Antes mesmo de lançar a loja, depoimentos como “injeção de autoestima” e “mais ânimo pra vida”, foi coisas que ouvi quando fiz o convite para cada uma dessas pessoas. Mas ouvi também “não tenho capital para investir”, “não sei por onde começar” e “quase desistir”.

Vivemos numa sociedade capitalista que nos exclui. Não podemos olhar para essas pessoas e falar “Vá lá, empreenda!” sem entender as particularidades de raça e gênero.

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