Não se discute gênero sem falar de raça

Por Monique Evelle e Alexandra Oju Oyin

Mais de 80 mil tweets sobre o #PrimeiroAssedio, diversas denúncias do #Meuamigosecreto. Essas são apenas duas das dezenas hastags que dominaram as mídias sociais em 2015. Pode parecer besteira, dirão que é moda, tentarão desqualificar nossa luta, mas de acordo com dados divulgados em novembro, pela Central de Atendimento à Mulher, o número de denúncias de violência contra mulher no disque-denúncia aumentou 40%.

Isso significa o que quanto são necessárias mobilizações nas redes sociais. São mulheres manifestando suas insatisfações diante da sociedade patriarcal e encontrando apoio em outras companheiras. Mas não podemos esquecer do lugares onde as hastags não chegam.

A ONG ÉNois Inteligência Jovem em parceria com Instituto Vladimir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão, realizou uma pesquisa com 2.285 mulheres entre 14 e 24 anos, com renda familiar de até R$ 6 mil, moradoras de 370 cidades brasileiras. A pesquisa revela que 94% delas já foram assediadas verbalmente e, 77%, sexualmente.

pesquisa

Mesmo com todos estes dados, sem contar os que já foram registrados após o período de pesquisa, notamos a falta de seriedade por parte da mídia de massa para com os fatos. Qual o motivo de não abordar tamanha realidade que afeta significantemente as mulheres, sobretudo negras, com o mesmo afinco e foco dirigidos ao carnaval, as campanhas políticas, a publicidade , ao campeonato de futebol ou, até mesmo, ao lançamento da novela das 9 ( nove)?

Se por um lado existem movimentos lutando pelo direito básico da cidadã, neste caso, o das mulheres em situação de risco, de outro lado temos dogmas, preconceitos, estereótipos, tabus, cultura destrutiva e todo um mecanismo social que vem na contramão dessa luta.

Sabemos o quanto é importante destacar e ampliar nossas lutas, colocando nossas pautas nos grandes veículos de comunicação. Em novembro deste ano a Revista Época, da editora Globo, trouxe como matéria de capa o Feminismo. Ontem, 15/12, o Profissão Repórter, da Rede Globo, também abordou este tema. Mas não foi sobre feminismo negro, ok? Entretanto, a mesma emissora que se propõe a debater gênero, é a mesma que estigmatiza a mulher negra em seus comerciais, novelas e programas de entretenimento. É mesma que trás em suas séries, a exemplo de Sexo e as Negas, a narrativa e a direção de uma homem branco que não entende, desvaloriza e não sente na pele a luta cotidiana das mulheres negras. Mas ele insiste em falar por nós.

São 515 de Brasil, destes 3/4 foram de escravidão, 1/4 de ditadura militar e em 2015 temos o Congresso mais conservador pós-ditadura. 340 é o número de veículos da Rede Globo de Televisão e de suas afiliadas. Sem contar dos veículos controlados por políticos, em sua maioria do DEM, PMDB e PSDB. 340 é o número de veículos da Rede Globo de Televisão e de suas afiliadas. Sem contar dos veículos controlados por políticos, em sua maioria do DEM, PMDB e PSDB.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013, mais de 103,5 milhões do Brasil são mulheres, o equivalente a 51,4% da população. Sendo a maioria mulheres negras e pardas. A taxa de mulheres negras vítimas de homicídios no país é mais que o dobro da de mulheres brancas. Para cada 100 mil habitantes, o número é de 7,2 e 3,2 respectivamente. São essas mulheres que sofrem da mesma forma quando veem seus filhos nas estatísticas (77% dos jovens negros são assassinados por arma de fogo no Brasil). São essas mulheres que sofrem com a falta de amor. São essas mulheres que não terão hastag, a não ser que seja famosa, porque aí irão personificar o racismo.

Diante disso, nós mulheres negras, lutamos cotidianamente não só pelo direito à vida, mas pelo poder de fala, pela possibilidade de se tornar visível numa sociedade machista, racista e misógina, controlada pelos oligopólio das comunicações que ceifam nossas falas ou falam por nós.

Não daremos um passo à trás. Nos tornaremos a mídia que queremos ver e não discutiremos gênero sem falar da questão racial.

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