“Tu tá ai admirado ou tá querendo roubar?”

“O mundo é diferente da ponte pra cá” se eu estivesse em São Paulo. Mas como estou em Maceió, o mundo é diferente do porto pra lá. Eu ando na orla de Pajuçara cantarolando Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir, duas pra voltar. Hoje depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto, mas me vem um cidadão e me diz desconfiado: Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar? Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido, dá vontade de beber; E pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer.” Essa canção sensacional foi composta por Lucio Barbosa e se chama Cidadão.

É muita loucura. Maceió ficou em primeiro lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil, da capital mais bonita do Brasil e da mais pobre do Brasil. É muita contradição pra minha cabeça.

Se você for andar em Maceió, a comunidade do Jaraguá em plena orla. Mas ninguém se incomoda. Ou pior, se incomoda por ter pessoas no caminho da orla maravilhosa, atrapalho a vista para aquele mar azul. Ou muito pior, tem pessoas que nem notam. De verdade! As pessoas não enxergam.

O local da festa do São João 2014 foi ao lado da comunidade do Jaraguá. Ao lado mesmo. Só atravessar a pista e pronto. Só que os moradores daquela região não foram convidados. Apesar de ser uma festa aberta ao público, os jovens moradores de Jaraguá foram considerados penetras e barrados na festa.  Então você ouve de um policial da BOPE que ele foi para festa para caçar novinhas e como se não bastasse ouvir isso ele levanta o cacete e diz que está torto porque é para amaciar a carne.

Voltei pra casa de busão, claro. E o que ganhou minha noite foi quando a galera estava pulando a catraca. Me deu vontade de pular e iria. Mas tinha Walter no meio. Duas paradas depois entra um dois policiais de terno, gravata e escopeta perguntando quem tinha pulado a catraca. O cobrador foi lá e apontou. Droga! Aí você ver que essa merda de sociedade coloca preto contra preto, pobre contra pobre. Tiveram que descer e o fim dessa história? Só Deus sabe!

No outro dia encontrei com um João Paulo. Lindo negro jovem em situação de rua. Eu toda arrumada para sair e ele todo sujo. Paramos para conversar. Alguns olhavam com aquele ar “tu tá admirado ou tá querendo roubar?” e outros com o olhar de “eles se entendem.” E estavam certos. A gente se entendeu. História triste. E o que mais me doeu é saber que não poderei fazer nada por ele, nem por milhares de pessoas que estão na mesma situação. Estou tentando fazer por Walter, mas ainda não tive tanto êxito. Mas estou aí.

Entrei na Subway, João Paulo não queria apenas o Baratíssimo, queria também Coca-cola. Maldita Coca-cola! Maldita mídia! Malditos todos. Não sei nem quem xingar.  E acho que nem devo, mas tenho meus motivos. Depois leiam esse texto sobre a Coca-cola http://zip.net/bcnGN2

Terminei a noite com Geraldo Azevedo cantando Dia Branco, apontando e mandando beijo pra mim. Comecei a me perguntar: Como ele me notou no meio da multidão se eu nem gritei, nem chorei, nem fiz nada?  Gostaria que para outras coisas fosse assim também.

Nem sei mais o que escrever, porque é foda. Eu tenho um filho, cara! Não carreguei por 9 meses, mas isso não importa. Tenho 19 e sou mãe de um artista de 12 anos. Walter está de pé pelo Brasil, mas ninguém estava de pé por ele. Até eu chegar.

Mas você fica desnorteada porque você sabe que não irá resolver os problemas da humanidade. E piora porque você não está conseguindo resolver os seus e nem o do pequeno príncipe. E piora mais ainda porque há pessoas que se aproveitam da situação para jogar migalhas e achar que é assim que as coisas funcionam.  E piora cem vezes mais porque você sente medo, porque você é humano e claro que vai sentir medo, mas essa não é hora de sentir. Mas quem disse que existe hora certa pra sentir medo?

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