Fotógrafa abriu mão de seu emprego fixo e criou uma agência de modelos para pessoas com deficiência

Autoretrato Kica de Castro
Fotógrafa Kica de Castro www.kicadecastro.com.br

“Para muitas pessoas com deficiência acaba sendo um desabafo, pois mostrou para sociedade que beleza é um assunto que também precisa ser aceito com essa diversidade estética. No meu ponto de vista, acaba sendo um desabafo social.”  – Kica de Castro 

Monique Evelle

A publicitária e fotógrafa Kica de Castro, 38, de São Paulo (SP) abriu mão de seu emprego fixo e criou uma agência de modelos para pessoas com deficiência. E deu super certo!  Mais do que inclusão social o trabalho de Kica reflete a autoestima, o amor próprio e a valoriza a diversidade das pessoas com algum tipo de deficiência.

Para a paulistana o resultado do seu trabalho é ter pessoas com e sem deficiência ocupando os mesmos cargos e tendo seus direitos garantidos.  Confira o bate-papo entre Kica de Castro  e o Desabafo Social.

1.  Como surgiu a ideia de fazer uma agência voltada para valorizar os profissionais com alguma deficiência?

R.: Não foi bem uma ideia. Estava no luar certo, escutando as pessoas e fiz disso um negócio. Antes de ser fotógrafa, trabalhei por alguns anos em agências de publicidade. Cansada desse mercado de trabalho, fui fazer o que realmente não seria uma rotina , transformei a paixão em fotografar em profissão. No ano de 2000, deixei as agências de lado e comecei a fotografar eventos sociais e corporativos, coisa que faço até hoje. No ano de 2002, fui trabalhar como chefe do setor de fotografia em um centro de reabilitação para pessoas com algum tipo de deficiência física. Esse foi o grande começo!  As pessoas que ali entravam para ser fotografadas, não ficavam nem um pouco a vontade com essa parte. As fotos eram de corpo inteiro, peças íntimas, em casos mais raros era feito o nu, nas quatro posições globais: frente, costas e a duas laterais, tudo acompanhado com uma placa de identificação com o número do prontuário médico. Nada de arte, o foco ali era a deficiência. Para parte científica, eram imagens de extrema importância, porém, para autoestima, não ajudava em nada. Vendo o sofrimento das pessoas, algo tinha que ser feito. Transformei o setor em um estúdio fotográfico. Antes de fazer cada sessão, a pessoa tinha ao menos 5 minutos de contato com sua vaidade. Deixei no setor um pequeno espelho, pente, estojo de maquiagem, bijuterias, gel e muitas revistas de moda e beleza. No lugar de lágrimas discretas já era possível registrar sorrisos largos. Aos poucos as pessoas voltavam para o setor perguntando se eu fazia books, com finalidade pessoal. Na época, sem estúdio adaptado, dei a ideia de fazer as fotos após horário de expediente, na própria instituição, ao preço de custo. Não usava equipamento digital, então no caixa da instituição o que era cobrado era o valor do filme fotográfico e da revelação. Quando as pessoas recebiam as imagens, vendo que ali não tinha nenhuma manipulação de imagem, por meio da computação gráfica, as pessoas ficavam surpresas com o resultado e de conhecer a própria beleza. Nesse momento que as pessoas começaram a perguntar de oportunidades no mercado de trabalho. Incentivei a buscarem, indiquei algumas agências e antigos clientes, do tempo de publicitária. As respostas sempre negativas.  Vendo que os olhares já estavam com ar de tristeza, fui fazer pesquisa. Todos os resultados positivos estavam na Europa. O concurso de beleza, A mais Bela Cadeirante em Berlim, não era totalmente inclusivo, pois além de deixar de fora outras patologias, também não tinha a inserção de pessoas sem deficiência. O verdadeiro resultado da inclusão é ter no mesmo espaço pessoas com e sem deficiência ocupando os mesmos cargos, tendo as mesmas oportunidades, assim como direitos e deveres. No ano de 2007, deixei meu emprego fixo de lado e apostei em ter uma agência de modelos, segmentada para profissionais com alguma deficiência, o que é considerado como pioneirismo aqui no Brasil.

2. Você teve muitas resistências no início? 

R.: Tive e ainda tenho. Tudo que é novo as pessoas acham estranho. Apoio não tive, nem das pessoas com deficiência que achavam que isso era uma loucura. Abri a agência com 5 modelos, mas hoje  mudamos o quadro para 87 agenciados em território nacional.  A culpa, não é do preconceito. Atualmente as pessoas com deficiência , em grande maioria não conseguem ver que estamos falando de um mercado de trabalho que para ser profissional é preciso estar qualificado, estudar, ter disciplina e fazer as mesmas etapas que os profissionais sem deficiência fazem,  para ser reconhecido como tal. Muitas pessoas querem ser modelos, mas não estão preparados para atuar nesse mercado de trabalho. 

3. Como funciona a seleção desses profissionais para a realização de ensaios fotográficos? É por demanda espontânea ou você que procura essas pessoas?

R.: Graças a Deus, depois de anos de trabalho, muitas pessoas entram em contato com agência querendo fazer parte do nosso elenco. É marcado um dia, no qual a pessoa passa por teste e avaliação do perfil profissional. Em alguns casos, fazemos o caça talentos, para descobrir novos profissionais e oferecer para nossa carteira de clientes.

4. Você cobra para fazer o ensaio fotográfico?

Agenciada Paula Ferrari

R.: Como fotógrafa tenho vários trabalhos no qual eu cobro, pois é a minha profissão e preciso ter um retorno financeiro. Quando a pessoa quer um book pessoal, sendo pessoas com ou sem deficiência, essa é uma prestação de serviço no qual existe um custo. Quando a pessoa com deficiência tem intenções de ser modelo, de fazer parte do nosso casting, não existe custo inicial. As fotos são ferramentas de trabalho e só terão  custos quando conseguirmos o trabalho para nosso agenciado. A agência ganha 20% e os 80% restante são dos modelos.

 5. Um trabalho de inclusão social através da fotografia com certeza já teve vários resultados. Você pode falar alguns?

R.: Muitas pessoas falam em uma nova realidade cultural, mostrar que a questão beleza não é algo padronizado, que a diversidade também tem o seu lado belo, levando as pessoas para diversas exposições fotográficas, sem precisar esconder as deficiências.  Outras pessoas associam com quebra de paradigmas, valorização do ser humano, como ele é não importa o tipo físico. Recebo várias mensagens de pessoas com deficiência relatando que depois que viram o trabalho da agência perderam a vergonha, começaram a ter amor próprio e não ficam mais isoladas em casa. O mercado de consumo esta vendo a existência de 46 milhões de consumidores com algum tipo de deficiência e estão investindo com o surgimento de novas tendências, como  o exemplo de roupas adaptadas, no qual muitos estilistas estão fazendo aposta para esse mercado.

6. Você desenvolve outro trabalho além desse?

Cassio Sgorbissa
Agenciado Cassio Sgorbissa

R.: O trabalho é divido em fotografar, parte de agenciamento dos profissionais com alguma deficiência, colunista da revista Reação, escrever sobre moda e beleza para esse segmento. Também tenho uma coluna na revista digital Tendência Inclusiva, no qual mostro as fotos que são feitas na agência e direção em um programa voltado para assuntos inclusivos da pessoa com deficiência, Viver Eficiente, transmitido pela TV Cidade de Osasco, domingos às 14hs, canal 15 da NET Região Oeste de São Paulo, Canal 8 Cabonnet Osasco e pelo site da emissora: www.tvcidadenet.com.br

7. No seu site tem algumas instituições como Deficiente Sim, Mãe Especial, Movimento Inclusão Já, ONG Essas Mulheres entre outros. Como essas instituições contribuem com o seu trabalho?

R.:Temos parcerias com empresas e instituições. Sabemos que sozinhos não vamos longe e nem damos continuidade em nossos trabalhos. A questão da inclusão da pessoa com deficiência é ampla e envolve vários pontos como educação e direitos. Por isso faço as parcerias, pois cada um está ligado  numa determinada área da conclusão. Não adianta falar de inclusão da pessoa co deficiência  apenas dentro do que eu trabalho, é preciso que todos os pontos sejam aplicados, valorizados e respeitados. O Movimento Inclusão Já, por exemplo, luta pelos direitos da pessoas com deficiência. Um ajudando o outro, todos ganham. Unidos somos melhores.

8. Quais dicas você daria para quem quer unir fotografia com alguma ação de inclusão ou responsabilidade social?

R.: Antes de qualquer coisa coloque amor no que vai fazer. Respeite o ser humano com um todo, depois transforme tudo isso em arte, escreva com a luz, faça imagens que passe sua mensagem, de preferência de forma positiva mostrando o que há de melhor em cada pessoa.

9. Você enxerga seu trabalho como um “Desabafo Social”?

R.: Não sou nem pior e nem melhor que muitos colegas de profissão. Procuro fazer o meu melhor sempre. O trabalho da agência é uma forma de mostrar para sociedade que tudo é possível quando se tem determinação e boa vontade para fazer algo novo. Não precisa de muito investimento, porém é preciso ter muita paciência, nada acontece de um dia para outro. Para muitas pessoas com deficiência acaba sendo um desabafo, pois mostrou para sociedade que beleza é um assunto que também precisa  ser aceito  com  essa diversidade estética. No meu ponto de vista, acaba sendo um desabafo social. No começo fui chamada de louca por muita gente e os mesmos hoje estão me chamando de inovadora. Sei a volta por cima e provei que o projeto valeu a pena em todos os pontos, incluindo deixar um trabalho fixo, para montar uma agência com possibilidade rendimentos para todos os envolvidos. Muitas coisas ainda precisam ser feitas, o primeiro passo já foi dado, nossa caminhada é longa e temos disposição para continuar. Sempre estamos de portas abertas, para críticas, sugestões e elogios. Quanto mais pessoas estiverem envolvidas, melhores serão os resultados.

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